quarta-feira, julho 11, 2007

no tempo que sucede ao tempo.

"vai parecer que eu estou morto e não é verdade..."





foi há um mês.

um mês exacto.

"to the day", aqui se diz......






















estava claro.
a luz entrava pela janela do quarto branco
onde as enfermeiras te cuidavam.

eu esperei.
esperei à porta.
vi pela frincha o corpo que não eras tu
e doeu-me.
mesmo.
tanto como daquela vez em que te vi, herói, meu herói de coragem e bravura, a andares o máximo que ao longo daquele corredor de espera e choro que não havemos de esquecer nunca, nenhum de nós.
já aí o teu corpo não te obedecia. não te pertencia.
(tanto) depois disso, há um mês atrás, nada de teu te pertencia já.


porque foi (já) há um mês.
um mês desde esse dia em que me pediste liberdade.
em que me olhaste como quem não olha,
menino menino menino.
perdido da vida.
perdido de tudo.
a falares com a tua mãe, e eu a querer dizer-te que sim, que fosses com ela
- vai com ela, pai, não há mais nada para ti aqui.
não há mais vida cheia, há só vazio, dor, só confusão em ti.
vai, confia, abraça.
larga a minha, nossa mão.
vai.

...

..


foste.


.


era noite,
talvez manhã
- quem sabe o que, afinal?...

muitos meses antes do mês no dia de hoje
já eu chorava
aninhada nos braços do amor que então
então
porque sabia
eu sabia
- alguém não sabia? -
eu sabia
e perguntava
e ouvia
e chorava
e sabia do fim
sabia
eu sabia já
quando perguntava
a medo
por medo

"o meu pai está a morrer?....."

...

sabia.
que cada novo dia
era só mais um dia
em que te via

sabia
morrer.
na minha cabeça enleavam-se os "nunca mais",
e eu chorava
e sentia

e não queria
o perfume da morte,
esse de flores misturados sem cuidado nem cor
- um só cheiro que é cheiro nenhum.
e tudo isto tão antes do fim final....




e por isso não há - sabes? -, não há explicação, não há palavras para a coragem de ti, não há filme livro ou brisa que possam dizer, saber, o que foram aqueles dias, um atrás do outro, todos iguais, todos colados, todos piores, em ti.
ou.
que sei eu?
tudo me ficou nos olhos, dentro. desde aquele outro quarto, mais escuro, sim, mas tão mais cheio de espaço de
para
tudo.

tão mais tu, ainda...
tão mais livre.
tão mais vida.

porque nesse quarto, sabes, eu nunca soube o fim.
por mais que nele pensasse.
sentava-me à tua beira
e tu viravas-te para o meu lado
e confiavas-me o silêncio.

eu fazia-te festas.
porque nada mais.

e assim ficávamos
ficámos
muito
tanto
tempo....

e éramos tão família, ali, tão bonitos, quase, não fosse a sombra da dor, tão bonitos que me chora a lembrança, agora, o imutável nunca mais, mas nunca, ali, então, nunca - quero que o saibas porque, olha, eu acreditei sempre até onde era impossível acreditar, e ainda vivia um teu dia de cada vez, então - eu ali nunca te chorei.
por mais que agora.

o silêncio do desconhecido nos unia.
a impotência.

mais que isso a confiança
o amor

a não-desistência.

e tu soubeste, e eu soube, finalmente como se, nós soubemos o tudo que éramos um no outro.
e tudo isso,
pai,
me ficou para sempre.



.....




.



foi há um mês.
era dia.
estava sol.
era claro ainda quando te deixei no hospital sem querer.
quando chorei todo o caminho até longe.
quando não queria estar comigo nem ninguém.
quando disse

pela primeira vez
sobre ti
"não quero falar sobre isso".

porque já nada fazia sentido.
já nada me eras tu.
já nada fazia sentido
de ti para nós
de nós para ti
de ti para ti.



de madrugada
trocaste as voltas ao sentido
e foste.
deixaste o corpo e foste.
como o principezinho.
e a minha sorte, a minha sorte e arma contra a revolta da morte,
é ter sabido, a tempo e horas, pela boca desse um principezinho, que me disse, me lembrou ao ouvido "percebes? é que é muito longe e eu não posso levar este corpo... é pesado demais..."
































......











....









pois.








.











é só que......









......












parece-me só tempo demais
que tenha sido
um mês
(e tanto tempo antes disso...)
que te tenha visto
e ouvido
sem um adeus
pela ultima vez.

17 comentários:

Anónimo disse...

:(

Acredita que um dia (não sei quando, mas sei que sim!), a ausência se vai transformar numa companhia serena, diária, que cuidará de ti, e te trará Paz...
bj

M_d_O_M

Anónimo disse...

Falta aqui falar também da coragem de vocês, para a qual também não há palavras...
Beijo (muito) grande
Tzinha

melena disse...

***

Rita disse...

Só te posso confirmar que o que vocês tiveram ficará, mesmo, para sempre! Quanto ao resto... o tempo ajuda mas é mesmo só isso: uma ajuda.

Beijo muito grande priminha

Anónimo disse...

Tão longe mas tão perto do teu coração. Tanta dor calada e misturada de lágrimas secas que eu vi.
Muito lindo!!
Beijão grande da Vona.

Sandrinha disse...

um mês
é impressionante a velocidade do tempo.
Pensa no "que ficou em ti para sempre" e não nos "nuncas mais"

Abraço-te forte minha menina, forte, forte, forte.

ricardo disse...

...emocionei-me...
:'
*

Rita Coelho disse...

Um abraço sentido e arrepiado...

Pulsante disse...

A ausência é uma figura recortada no meio de uma folha branca.
Aquela inexistência, aquele buraco de nada com forma humana, é no entanto e paradoxalmente um testemunho perene da presença. Da presença sentida pela falta.
Pela falta intrínseca e pela falta que faz.

un dress disse...

my dear nana.

minha querida nana.

que sim.que seja assim a linha: não tentarei consolar-te. há que (sobre) viver dentro da dor.
ser parida pela dor.
de novo dar à costa da vida.
a vida que duvidamos.

agora. por momentos.deserta.mais.pequena...


abraÇo.re.abraÇo.beijO

pé descalço disse...

nana

diz o povo que:
quando o corpo desce à terra
a alma se eleva ao céu

eu digo apenas que:
se há coisa que nada nem ninguêm
pode apagar do nosso coração
é o tempo e o Amor
partilhado com os nossos pais

um ABRAÇO

joaninha disse...

:'(
tu es forte, acredito em ti... acredito que ficaste marcada e que te doi mto essa dor... mas ele esta sempre ctg e a cuidar de ti... da menina forte que és...

beijinho*

eu... disse...

muito bonito... lindo mesmo
muita força pa ti
um beijão

Anónimo disse...

tenho um nó na garganta.
porque.
por.
abraço os quatro meninos que com seu o pai aprenderam a ser corajosos.
v

magarça disse...

Um beijo para ti e para a estrelinha que te acompanhará sempre.

melena disse...

o ser humano é mto mais forte do que parece, tem nele a força que vem de Deus.

M. disse...

um abraço desconhecido, pode ser o meu? acabou o teu ciclo e eu descubro agora que começo um.
tenho medo, tenho esperança e uma certeza maior que me segreda que é quando não somos mais nada que passamos a ser tudo...
mesmo à distancia, mesmo sem te conhecer, mesmo assim existem teias que nos unem, todos somos feitos desses luminosos fios de imortalidade, todos somos uno.
beijos
Márcia