sexta-feira, fevereiro 05, 2010

"odete"





a sua voz era única.
no timbre marcado de seu viver de tanto, com esse tanto a ser tantas vezes demais, falava com uma segurança rara e incomparável, a mesma com que nos agarrava os braços quando nos olhava fundo e procurava dentro, em nós, a verdade do nosso estar.

há tanta gente que deixamos de ver, tanto sítio onde deixamos de ir depois de nos invadir o tempo-fuga do mundo adulto...
e eu já nem sei há quanto tempo a não via.

lembro-me de falarmos, de falarmos muito ao telefone já depois do regresso a minha casa de mar.
falámos de mim, falámos de si, falámos da vida, e gosto de pensar que a fiz saber que me era muito, como o eram aquelas (demasiado) esporádicas conversas.

depois disso falei dela, pensei-a, mas nunca mais a ouvi falar.

entre verdades sentidas e tempos de ocupado viver perderam-se os amanhãs da visita, e no meio desses dias que chegavam até anteontem perdi a certeza dos seus olhos, a meninice do seu sorriso, a firmeza das suas mãos.
e vejo de repente desaparecer a força de um grupo de mulheres irmãs e mães de si mesmas, irmãs e mães de tantos outros, que se imaginava e sabia indestrutivel, infalivel, inquebravel.
até chegar nova traição nocturna e a arrancar de si mesma, e de nós, para sempre.






..



eu já tinha saudades da odete.



agora vou ter muito mais.






(imagem de "nauman")