" onde estás, pai, que me deixaste só a gritar onde estás? na angústia, preciso ouvir, preciso que me estendas a mão. e nunca mais nunca mais. pai. dorme, pequenino, que foste tanto. e espeta-se-me no peito nunca mais te poder ouvir ver tocar. pai, onde estiveres, dorme agora. menino. eras um pouco muito de mim. descansa, pai. ficou o teu sorriso no que não esqueço, ficaste todo em mim. pai. nunca esquecerei. " *
(ascending angel, kira perov**)
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(* josé luis peixoto, in "morreste-me" **da instalação five angels for the millennium, de bill viola)
de ser menina e olhar para ela. de ser mulher e por ela olhar.
..
e eu já descobri, sabes? nesta distante lonjura em que és tanto parte do que sou a cada dia, cada desafio, cada conquista de mim, eu descobri já, avó - eu descobri já quem sou.
e sei agora quem me é. quem me vive no sangue. em verdade. com verdade. (para) sempre.
sei saber por fim a força da família, nossa família, nossa coragem de justiça e carinho - essa tribo de apoio e sentir e de mães tantas que não só de seus filhos.
sabes?.....
sim, tu sabes. tu sabes mais ainda agora do que o tanto que soubeste sempre.
e sabes tudo de mim.
como cresci, eu.........
fiz-me mulher, avó.
aqui cheguei menina e daqui saio mulher.
e agora, agora, assim nos reconhecemos. eu e ela. eu e tua filha. eu e minha mãe. em amor, camaradagem, amizade.
ela, sim, que é grande. enorme.
tanto que se torna pequena para deixar passar a felicidade de quem.
tanto que me não embala o choro; minha mãe não me embala o choro que é sofrer teimoso...
..
combate-o.
minha mãe luta meus sentimentos por mim.
até me chegar a força que sou - que vem de ti, e dela, e de minha mãe de céu, e de, e de, e de.... -, minha mãe é quem me enfrenta o sofrer.
quando de novo me levanto, abraça-me e deixa-me ir. não me costura as asas, não me lambe as feridas, não limpa meus olhos de lágrimas maquilhados.
minha mãe faz-me sentir as raízes que me não abandonam e me não prendem nunca e solta-me ao vento. para que aprenda por mim o fundo das alturas. para que em mim saiba - seus olhos seguindo-me sempre de longe - que a felicidade minha tem de merecer-me tanto quanto eu a ela.
e abraça-me sempre, minha mãe. em respeito de sentir. sem julgamento ou prisão.
neste longe de toque, abraça-me minha mãe para além do que a não faço saber.
por isso hoje, hoje sobre_tudo, aqui na distância de seu celebrar, esta vontade de estar perto, chegar mais, dizer, fazer saber a essa Mulher que me é raízes e asas, me é exemplo (d)e amizade, me é força e vida de tanto, dizer-lhe, dizer-lhe com(o) eugénio,
" mãe, eu não me esqueci de nada."
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vivo as memórias guardo o exemplo sou a força que é ela em mim quando lá quando aqui quando no mundo que for que me habita.
...
é dia de mães em minha terra de mar...
sem longe. sem longe nenhum.
contigo também e sempre em mim.
(imagem primeira: lord leighton, mother and child imagem segunda: lord leighton, mother and child (detalhe) imagem terceira: jean jansem, mère et enfanf imagem última: pablo picasso, mère et enfant)
looking heavenward you cannot help but shed a tear... mournful... lonesome... a hole that screams out almost as loudly as the roar of the engines that pass overhead.
this is the missing man formation, whether flown with the wingman spiraling off into the great beyond, or flown consistently with that awful hole where a buddy should be *
para além do vazio deste dia distante injusto irreal meu corpo arranha a memória de tudo as memórias todas em fúria cega de reavivar-te ser criança contigo ver-te ser tudo o que é incerto pedir-te que faças de tudo isto mentira
(...)
e isto custar-me tanto, custar-nos tanto, ser-nos tão fundo a tua morte, ser tudo tão estúpido, de repente, tudo tão sem razão de nenhum sentir....
no pouco que nos sabíamos, para além do que.
(...)
suspensa.
entre zanga de morte
e certeza de vida.
..
e esta vontade
amputada
de te ouvir rir,
memória ida
em teus olhos
para sempre
fechados.
...
(sendo eu sempre neste dia de hoje essa saudade de (já...) 15 anos, tempo demais em teu nunca-regresso.)
é natal e eu sou menina, em minha terra de vida e força do que me é tudo. porque a mim me sou nesta cidade de paz e confiança, sem máscaras, chuva negra, não-mar.
é natal e sou menina. como quando meus todos avós eram vida, e nessa casa cheia de risos o natal era gente tanta. viva.
é natal e eu sou menina em minha terra de mar. ando como nuvem, eco contínuo de paz, como se um enorme espanta-espíritos, em sons de lisboa, me guiasse o tom dos passos.
os sorrisos são abertos, são-me tudo, e há em cada corpo que aperto o sentir da vida que sou, a que regresso sempre, aqui, como se nunca (a) partida.
dos olhos de minhas novas infâncias bebo o saber de quem sabe nada e nada teme, e tem como seu-tudo o riso, o riso que enche de vida o espaço de quem esteja, que por sobre o presente nos embala o futuro em alegria criança. de existir.
é natal e sou menina. com(o) eles. neste todo tudo que lhes tenho, este sentir mais limpo de toda a vida. mais do que. tudo.
é natal em minha terra de sol. conheço gente que me não conhecia, mesmo se tanto, já, entre nós, e o perto que somos tem o carimbo do amor a nossas raízes, também, das mãos que agarram a terra e a apertam até que se entranhe, até que seja tão verdade quanto o sangue que bebemos dos lábios que não beijamos nunca, e serão sempre desejo de outra vida, aventura (in)imaginável do que um dia, se.
evito os olhos que poderão prender (essa tão má tradução de nosso cativar...) e devolvo os meus ao mar, para que os renove, me tome, possua, me refaça, menina, uma outra vez.
visito lugares do passado, onde fui (essa) menina e tudo me era enorme, naquele quarto com malas e malas e mais malas e mais, côres de brilho e vida com que brincávamos a tantas mãos, quartos escuros de pó e recordações, vidas, vidas, onde entrávamos à descoberta de um passado que não sabíamos explicar, indecifrável magia de nosso brincar, o quarto dessa bailarina formosa, generosa, dança e vôo em palco de vida, que não saberia nunca que um dia nos choraria, antes demais, o tempo - este vazio de espaço dentro nos lugares em que faltará sempre mais que uma presença. porque há dias em que poderia simplesmente chorar(-te), meu missing man.
.
sou presença nos amigos, alguns de há tanto, tanto tempo que quase nos não lembramos já da vida sem. e faço, (re)conheço novos, sei que juntos criaremos, nasceremos (em) momentos de partilha e sorriso, olhares que começam a saber ver-se e. como se espelho, realmente, o que.
juntamo-nos, gentes agora distantes, e somos um outra vez, nós, grupo de tantas histórias, tantos momentos, partilhados viveres de uma vida só. a todos abraço forte, forte muito, porque o tempo escasseia e nós sabemos, sabemos, que a vida não é nossa para saber o amanhã. vivemos hoje o que somos, e juntos, juntos, somos força de amizade em riso e noite de lua e de nós.
natal. eu menina, sentada em frente a este mar que me fala dentro e mistura em sua voz o marulhar das vozes morridas, (e)terna presença em meu espelho de olhar.
é natal e eu sou menina.
é natal em meus país de mar.
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....
é como um (re)acordar.... regressada da cidade de mim, que me viu nascer e fez - faz - crescer, acordo em quem sou com tamanho sentir que poderia chorar a cada passo que dou, cada cheiro que (re)lembro, cada enlace que guardo dentro, marulhado de sonho (d)e vida.
que este ano de imensos dias, vos seja o viver de um dia, um momento, um sorrir, sempre, de cada vez.
a todos vocês que me acordam (a)o sentir.
e a todos os que sem o saber no-lo fazem. diariamente.
" we are the music makers
and we are the dreamers of dreams. "*
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lembremo-lo.
a cada dia de nós.
* do poema Ode, de arthur o'shaughnessy (imagens: traveler 48 at night, snowglobe, de walter martin e paloma muñoz m.l.f., praia de carcavelos, dezembro.2007)
" ...and that's the day i knew there was this entire life behind things, and... this incredibly benevolent force, that wanted me to know there was no reason to be afraid, ever. (...) i need to remember... sometimes there's so much beauty in the world i feel like i can't take it, like my heart's going to cave in. "
(do filme american beauty)
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escrevo neste longe como quem escreve em casa.
tudo me é paz, força e vida neste momento de tempo. instante.
toques novos que me levam ao que sou, me beijam em murmúrio o ouvido, me acordam de certeza e sorriso.
guardo tudo para que o lembre, mais tarde, a este tempo parado
suspenso
em dislumbre e maravilha de ser-se humilde como a vida.
(bogdan zwir, butterfly)
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na ausência do toque do mar dos outros (re)escrevo-me. lembro tudo o que sou sinto vivo.
mesmo se longe. mesmo se aqui. mesmo se na distância dorida de um qualquer não-abraço.
..
sei que vivo
viva.
e isso me é tudo.
que a cada passo a cada gesto a cada toque de maravilha adormecida eu seja sinta exista na paz marulhar de ser verdade na vida.
(embalo (s)em meu pai com imagens de ana nicolau, IgaNinja, kyle houston cummings, guayasamin, dale wicks, graça morais, peter kozikowski, hau maru e antoine de saint-exupéry imagens "esperando" e "máscara" de autores desconhecidos poema "a pequena praça" de sophia de mello breyner andresen, por luis miguel cintra música de javier navarrete, do filme "el laberinto del fauno")
“ tenho uma amiga que me conhece para além do tempo. para além de tudo. tem olhos de céu, sorriso côr de criança e a vida a nascer-lhe das palavras. com ela, por ela, escolhi, reaprendi essa vida, a vida viva, essa de dádiva e abraços, há 14 anos atrás.
tenho uma amiga que me conhece para além de mim. para além do que. olha-me nos olhos e eu sei que posso ser verdade, sei que quero ser vida, que preciso ser eu. com ela, nela, a dor e a morte são derrotadas. por ela, a coragem da vida renasceu. ”
(lisboa, 18.07.07)
...
no ano de ’93, sem que nos conhecêssemos ou soubéssemos quão perto estavámos, já, quão enleadas nossas vidas se tornavam, flechinha e eu vivíamos sentires semelhantes, inigualáveis de dor e espanto, incompreensíveis por todos os que não os sofriam, ali, connosco, nós adolescentes atordidas de realidade e adulthood, sem aviso ou trégua possível.
quando nos conhecemos, quando primeiro falámos e nos sorrimos de e em vida, apesar de tudo o que, passava um mês exacto sobre dessa data que nunca ouvirei ou sentirei de maneira quotidiana, nunca será confundida com nenhuma outra, nunca fará parte de um calendário normal, como se viessem todos com defeito de fabrico, como a vida, essa, todos com esse dia assinalado a dor. eu tinha já feridas abertas que não entendia mas me ardiam, lágrimas com sabor a morte, um viver que eu desconhecia e não sabia sentir. ela vivia o pesadelo dos dias que traziam a incerteza da certeza do medo do amanhã.
lambemos feridas juntas, trocámos vidas e lembranças desses dias de desespero e confusão, tantas e tantas vezes, tantas e tantas noites de palavras e lágrimas e partilha de tudo o que éramos, queríamos ser, e o que não sabíamos que era em nós, também. fomos dúvida do presente agarradas ao passado, mas fomos juntas, passo a passo, em direcção a qualquer coisa que existia, devia existir, lá mais à frente - flechinha com todo o amor, força e uma recusa quase teimosa em ver-me desistir do que fosse em mim. porque eu, eu afundei-me na dor não-prevista e injusta da morte de quem tanto vivia e mais queria viver. eu quis afundar-me nos dias, ser sombra, ser não-vida. recusar-me ao viver em jeito de protesto. e quando me recusei a sair de lisboa porque o corpo de quem, mesmo se morto, era aqui que morava, aqui condenado a ficar para sempre, quando disse não ao viajar para qualquer sítio que me tirasse desta cidade, que me tirasse da proximidade do seu corpo, porque isso pelo menos – acreditava eu – existia ainda, e me parecia tão injusto, tão terrível aquilo que eu via como abandono, flechinha, em meiguice e impenetrável amizade, estendeu-me a mão e puxou-me à vida. quando ninguém mais, eu culpada, o pôde fazer. durante meses a fio, esteve a meu lado, até eu voltar a saber ter e viver o peso do que era em mim própria, sem refúgios, fugas ou abandono de mim.
para além da distância que a vida sabe e pode trazer, soubemos ter-nos sempre dentro, por maior o longe fora, por maior o mundo em muro entre nós: eu sabia, soube sempre, que no momento do precisar a vida não me faltaria. porque ela.
quando emigrei, o conforto de sabê-la na mesma terra. ela que me precisava, também, tanto, mas que apesar disso, quando lhe confessava o choro, quando me doía o medo e o peso da fraqueza da saudade, me dizia “se não és feliz, se assim, aqui, não consegues ser força na felicidade, vai. volta. volta para longe de mim, mas fica perto do que te faz força e te é dentro.” ... fiquei. com a sua força na minha, também. fui ficando até voltar, voltando até ficar.
aquando do início do pesadelo, no ano passado, embrulhou-me a amizade em presente – ela que tanto poderia ter-se “desumanizado”, por tudo o que, nesse ano – e tentou, da única forma (im)possível, proteger-me do futuro que já tinha vivido. esteve comigo, a meu lado, sentada na cadeira que não existia naquele quarto de hospital que não sei já se existiu, também, de manhã à noite, e madrugada fora, flechinha esteve comigo a cada instante de espera, ânsia e recusa do amanhã, tanto e tão mais do que outros, “perto”... e nunca nunca me abandonou em mim. a ela, só a ela, confessei – nesses dias de desmesurado nada - a fraqueza sob o peso que não queria admitir a ninguém mais. mesmo se. porque. - não aguento mais. é como que lhe paro o sofrimento?, é como que se vive isto?...... e ela, a meu lado, a vivê-lo comigo, a sofrer comigo, sem nunca, nunca, me largar a mão ou a vida.
...
e agora, agora, ontem ainda, no carinho e calor de uma casa de tanto e tão bonito, tão sentido amor, flechinha e sua metade a “convidar”em-me a ser madrinha do novo ramo de sua árvore de vida. godmother lhe chamam na terra onde vivemos nós. ... e assim, pela mão de flechinha, como tanto mais, antes, me torno mother pela primeira vez. e nem sei dizer do orgulho que me traz lágrimas à voz e este sorriso de sentir aos olhos por ser um filho seu, vindo dessa união de tanto tudo, que me é tão dentro, que faz querer chorar de feliz, eu simples visita nessa casa de amor. e penso, sei, que não poderia ser de outra maneira. de outra pessoa, antes de.
porque nela a força. nela o apoio. o exemplo de coragem, não-entrega ao que tenta e faz por vergar e quebrar. nela o amor.
e agora, pela mão dela, de novo, a vida.
“ fechar os olhos, erguer os braços e dizer-lhe “vou contigo.”. isto é claridade, melodia. duas mãos dadas. a parte de dentro e de fora da laranja. (...) parou. abriu subitamente os olhos e compreendeu. então, olhando em redor, pensou: onde quer que estejas, obrigada. jamais te esquecerei. ”
"they told me, heraclitus, they told me you were dead they brought me bitter news to hear and bitter tears to shed. i wept as i remembered how often you and i had tired the sun with talking and sent him down the sky.
and now that thou art lying,my dear old carian guest, a handful of grey ashes, long, long ago at rest, still are thy pleasant voices, thy nightingales, awake; for death, he taketh all, but them he cannot take. "
(william cory)
(cada dia quero mais ter-te-nos (re)conhecido antes.
sem notar - assim mesmo, sem por isso dar -, chega-me a tua imagem. vinda por vezes do nada. vinda sempre de mim.
entristeço-me: é quase sempre a imagem da doença em ti. da imobilidade, tristeza, tuas. da impotência, (essa outra) tristeza, nossas. de quem.
às vezes dou por mim de volta àquele último quarto de hospital, onde ao absurdo se chamava medo, o medo escondia a esperança e a esperança chorava a vida.
lavávamos os sentidos de nós e de tudo o que não fosses tu, lavávamo-nos com força de ferida para sermos inteiros, ali. como tu já não podias já não sabias ser.
olhávamos as molduras sem tempo nenhum - entre nós e o passado que se queria futuro havia, há-de haver sempre, o esvair do sorriso, o desenhar da dor, o não-saber quem, como, seremos depois de te (vi)vermos assim.
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não sei quanto tempo vai durar esta estranheza que umas vezes é luto, outras memória, outras só um confuso não-perceber, ainda, como que um não-aceitar, ainda, ainda, a realidade. a que.
é-me irreal, ainda, tudo. por mais real a tua paz.
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passo em londres, por entre sítios de amizade, e sinto, noto que há coisas que mudaram para sempre. agora lembro-te em londres. e londres lembra-me de ti.
a baker street - a rua em si, não o seu nome - já não é a rua do sherlock holmes. a baker street é agora a rua perto do "teu" hospital. é a rua perto dessa outra, transversal, onde vim apanhar ar, tentar respirar qualquer coisa, quando. onde me recusei ao fim da esperança, como me recuso agora ao resto, se calhar, recusei aceitar esse fim marcado para a vida, como se me não fizesse sequer sentido a fala daquele homem de pele escura e bonita vestido de roupa clara e vazia, aquelas palavras cruéis, pontiagudas, dilacerantes, de tão certas de si mesmas. como se no recolher o choro pelos outros recolhesse a minha própria dor, eu impotente, eu nada, sentada naquele chão daquele passeio daquela rua, um criminoso cúmplice de tudo com sabor a mentol numa mão, a voz de todos os que ficaram, nessa noite, escolheram ficar, quiseram amar, na outra, naquela rua que dantes, dantes, ia dar à rua do sherlock holmes. agora não é mais que uma transversal de dor que vai dar ao hospital onde, antes de, deitado nessa (outra) cama de lençóis timbrados, sorrias, fazias piadas, eras tu mesmo, esperando a esperança com o medo sentado ao colo. e por mais que quiséssemos, que tudo tivéssemos feito para reparti-lo, o peso do teu medo era, será sempre, incompreensível para nós, nós todos que não sabemos o que é o temor verdadeiro e inesperado da (im)previsivel morte.
e assim essa palavra se apagou de qualquer conversa. e é bonito, quase, como mesmo os médicos nos falam sempre de esperança de vida... quando o que se espera, o que se teme, o que se chora a sós, à noite, no escuro, longe dos olhos e ouvidos dos outros, acima de tudo longe da vergonha de o pensarmos, sabermos, já, dentro, nós... é a morte.
para além dela, só a vida.
dentro dela, toda a vida.
depois dela... nós.
vazios. irmãos. contigo. dentro. em vida. nevertheless.
..
sempre.
(e agora, meu missing man, o que eu queria, queria muito, era sorrir-te. agora. confortar-te do que fosse. tratar de ti. ouvir-te a voz, ser tua amiga, como se. por mais breve o momento. por maior o sonho. só porque sim.
"vai parecer que eu estou morto e não é verdade..."
foi há um mês.
um mês exacto.
"to the day", aqui se diz......
estava claro. a luz entrava pela janela do quarto branco onde as enfermeiras te cuidavam.
eu esperei. esperei à porta. vi pela frincha o corpo que não eras tu e doeu-me. mesmo. tanto como daquela vez em que te vi, herói, meu herói de coragem e bravura, a andares o máximo que ao longo daquele corredor de espera e choro que não havemos de esquecer nunca, nenhum de nós. já aí o teu corpo não te obedecia. não te pertencia. (tanto) depois disso, há um mês atrás, nada de teu te pertencia já.
porque foi (já) há um mês. um mês desde esse dia em que me pediste liberdade. em que me olhaste como quem não olha, menino menino menino. perdido da vida. perdido de tudo. a falares com a tua mãe, e eu a querer dizer-te que sim, que fosses com ela - vai com ela, pai, não há mais nada para ti aqui. não há mais vida cheia, há só vazio, dor, só confusão em ti. vai, confia, abraça. larga a minha, nossa mão. vai.
...
..
foste.
.
era noite, talvez manhã - quem sabe o que, afinal?...
muitos meses antes do mês no dia de hoje já eu chorava aninhada nos braços do amor que então então porque sabia eu sabia - alguém não sabia? - eu sabia e perguntava e ouvia e chorava e sabia do fim sabia eu sabia já quando perguntava a medo por medo "o meu pai está a morrer?....."
...
sabia. que cada novo dia era só mais um dia em que te via sabia morrer. na minha cabeça enleavam-se os "nunca mais", e eu chorava e sentia já e não queria o perfume da morte, esse de flores misturados sem cuidado nem cor - um só cheiro que é cheiro nenhum. e tudo isto tão antes do fim final....
e por isso não há - sabes? -, não há explicação, não há palavras para a coragem de ti, não há filme livro ou brisa que possam dizer, saber, o que foram aqueles dias, um atrás do outro, todos iguais, todos colados, todos piores, em ti. ou. que sei eu? tudo me ficou nos olhos, dentro. desde aquele outro quarto, mais escuro, sim, mas tão mais cheio de espaço de para tudo. tão mais tu, ainda... tão mais livre. tão mais vida.
porque nesse quarto, sabes, eu nunca soube o fim. por mais que nele pensasse. sentava-me à tua beira e tu viravas-te para o meu lado e confiavas-me o silêncio.
eu fazia-te festas. porque nada mais.
e assim ficávamos ficámos muito tanto tempo....
e éramos tão família, ali, tão bonitos, quase, não fosse a sombra da dor, tão bonitos que me chora a lembrança, agora, o imutável nunca mais, mas nunca, ali, então, nunca - quero que o saibas porque, olha, eu acreditei sempre até onde era impossível acreditar, e ainda vivia um teu dia de cada vez, então - eu ali nunca te chorei. por mais que agora.
o silêncio do desconhecido nos unia. a impotência. mais que isso a confiança o amor a não-desistência.
e tu soubeste, e eu soube, finalmente como se, nós soubemos o tudo que éramos um no outro. e tudo isso, pai, me ficou para sempre.
.....
.
foi há um mês. era dia. estava sol. era claro ainda quando te deixei no hospital sem querer. quando chorei todo o caminho até longe. quando não queria estar comigo nem ninguém. quando disse pela primeira vez sobre ti "não quero falar sobre isso". porque já nada fazia sentido. já nada me eras tu. já nada fazia sentido de ti para nós de nós para ti de ti para ti.
de madrugada trocaste as voltas ao sentido e foste. deixaste o corpo e foste. como o principezinho. e a minha sorte, a minha sorte e arma contra a revolta da morte, é ter sabido, a tempo e horas, pela boca desse um principezinho, que me disse, me lembrou ao ouvido "percebes? é que é muito longe e eu não posso levar este corpo... é pesado demais..."
......
....
pois.
.
é só que......
......
parece-me só tempo demais que tenha sido há já um mês (e tanto tempo antes disso...) que te tenha visto e ouvido sem um adeus pela ultima vez.
de lágrimas livres nos olhos e um arrepio de vida viva no coração, eu hoje vou sorrir e pensar em ti.
levo-te comigo em mim para além das paredes brancas castrantes dolorosas sufocantes desse quarto de hospital. para gritarmos celebrarmos cantarmos juntos. como se antes. como se nada. para sempre.