segunda-feira, abril 30, 2007


















continuo sem pertencer.

os sorrisos de estranhos nos espaços que cruzo,
a bondade de quem não conheço,
curam como abraço amigo
- salvação que a ninguém peço.

se começasse a chover o alívio era nenhum:
agora,
com a chuva forte,
o terror entra nos olhos,
vai à janela,
olha as gotas que doem no vidro,
ouve no seu desespero a dúvida cujo fim se teme
ou talvez anseie,
sem saber o que,
ainda sem saber,
condenados
todos
a nunca saber o que querer
para aquele cujos dias são contados
marcados
pela luz do dia e dos olhos que chegam
e o escuro da noite que os leva para longe.

se somos divinos, por que não imortais?
para quê o sofrimento de quem não aguenta
- aguentando -
mais?


...



confundo-me.
revolto-me.
pacifico,
sem calar,
gritos dores medos
abandonados confusos desesperados
a esperar
ainda
por mim.


...



continuo sem pertencer.

mas recuso
de alma e vida
a entrega egoista
a meu próprio sofrer.















.









(imagem: ?, de guayasamin)

terça-feira, abril 24, 2007

abril na noite



de lágrimas
livres
nos olhos
e um arrepio
de vida
viva
no coração,
eu
hoje
vou sorrir
e pensar em ti.

levo-te comigo
em mim
para além das paredes
brancas
castrantes
dolorosas
sufocantes
desse quarto de hospital.
para gritarmos
celebrarmos
cantarmos
juntos.
como se antes.
como se nada.
para sempre.

sexta-feira, abril 20, 2007

à mulher que não sabe de si





envio-te paz.
abraço-te em tanta paz, toda esta que me enche, vinda do amor a tudo o que me rodeia, que me é vida maior que tudo o demais.

andas tão perdida que te cegas do espelho, e pensas que já te não leva para terras longe, tão perto, onde tudo é lua e mar, mar e lua, e a vontade do que se quer é regra para que aconteça a vida.
abre o medo e olha em volta: o mar ecoa ainda dentro da concha fechada em ti. a lua marulha-te os sonhos no sal dos olhos que reconheci.
e existem. sempre. assim. no que és, dentro e fora, por mais que te falte o caminho agora, por mais que o lodo te sufoque a vontade de lutar e viver.
um porto que já não abriga não é o fim – é transformação, amanhecer.
o sol que então te cega é o mesmo que te há-de aquecer.
e os passos que não sabes de cor guiar-te-ão o anoitecer.

dos teus braços nascem ramos que julgas condenados, amaldiçoados, perdidos da chuva e do sol.
não.
ergue-os, sente o sol que te aquece o rosto marcado pelo cansaço da vida, deixa-te cair sobre a terra e sente o rio, adormecida. respira fundo, respira o mundo, respira a vida que te lateja nas veias, raízes, certezas de ti.

eu sei quem és.
sei que medos o presente te traz.
mas sei,
mais do que isso,
sei do és capaz.

acalma o dentro.
lembra e deixa fluir a beleza do amor,
por ti e em ti.
porque é só isso a vida.
e porque vives para ser feliz.
nada
ninguém
senão tu
pode libertar-te da prisão em que te guardas.
que é só tua.
nada senão tu,
livre e em amor.


...




sei que o escuro, gasto e velho,
te assombra a vida futura.
que o desespero que também vivi
é luta injusta de tão dura.

mas abre uma nesga do espelho,
deixa entrar o canto do mar!
levanta-te no esplendor de ti,
renasce, onda, em teu rebentar!

amanhã, ao clarear,
sorri de felicidade divina -
acolhe o mundo no teu quarto.

sem o medo, sem vacilar,
goza a vida em amor, menina,
feliz em teu próprio parto.



























....









(imagem: resistence, de ana nicolau)

quarta-feira, abril 18, 2007

carta ao filho do menino que vai ser pai

querido pequenino,

benvindo.

sei que não nasceste ainda, mas como diz o poeta “em qualquer aventura, o que importa é partir”, e tu partiste já para te juntares a nós nesta vida que, diga-se o que se disser, digam-te o que disserem, é mesmo muito boa e bonita.

falei-te do poeta porque sei que não vai ser preciso muito tempo até que aprendas a palavra poesia, que a sintas no sangue, no sentir, no respirar, como o teu pai.

o teu pai, esse crescido sempre menino, há-de ensinar-te a poesia.
ou talvez não ensinar-te, porque não é assim que ela se aprende, mas há-de acarinhar-te com o sorriso do vinicius, do pablo, do drummond, da sophia ou do eugénio, entre tantos outros. e hás-de, tu também, tratá-los por tu, pelo primeiro nome, esses amigos que nunca conheceremos, mas que a nós parecem conhecer tão bem.
como há-de embalar-te ao som da elis, do chico, do tom, do toquinho, e tantos outros que te pintarão os sonhos com a música da poesia, com as suas próprias palavras, e as desses outros que nos dão a magia da vida de bandeja, mesmo quando a não vemos nós, meros e especiais mortais, que com eles encontramos a felicidade numa nesga de mar, num pedaço de fruta, ou num abraço amigo.

a amizade, pequenino, também ele ta há-de ensinar, e que professor vais ter! teu pai menino é daqueles amigos que ficam – um dia hás-de saber também das pessoas que não passam.... -, seja para abrir a janela que dá para esse mar, para por nós colher essa fruta, ou para escrever num pedaço de papel um qualquer poema que nos fará voar mais alto que nós próprios sonhámos ser capazes de fazer.

falo-te pouco da tua mãe – peço-te desculpa por isso – porque a não conheço tão bem. mas não duvides que a sorte que tens é mesmo muito, muito grande. mesmo não a conhecendo pelo sentir, como a esse AMIGO que é o teu pai, posso dizer-te uns segredos, que o não são, sobre ela:

a tua mãe, pequenino – sim, como o teu pai. e é tão bonito, o seu amor, também por isso... –, canta quando ouve a palavra liberdade, luta pela justiça como se não soubesse não o fazer, sorri lágrimas felizes quando se fala em abril. é menina, também. nenhum deles se deixou esquecer no caminho para a vida adulta.
já viste a sorte que tens?....

por isso, pequenino – porque, não sei porquê, sinto-te menino, sabendo que se fores menina o amor, a partilha, o sonho, serão iguais -, mais que dar os parabéns aos teus pais, é a ti que congratulo (que palavra difícil, esta... não precisas de a aprender já, está bem?...).
pelos pais
amigos
meninos
que já tens.
por tudo o que és

neles.



















vem.
podes vir quando for,
seguro de que te aguardam
de sorriso nos olhos,
ansiosos por te receber
e embrulhar
em amor -
maravilhados,
maravilhosos,
de vida
em flor.











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(imagem: expecting my baby, de julio alejandro)

quinta-feira, abril 12, 2007

retorno.

" existence is a young child
moving through a lane
at night:

it wanted to
hold my
hand. "

(st. catherine of siena)


.







renasço na vida...

















em mim.











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(imagem: rebirth, de ana nicolau)

quinta-feira, abril 05, 2007

tempo de vida.

hoje é dia de ir ver-te.

arrumo bem os sentires,
calo a
(outra)
dor,
engulo o
(outro)
medo,
sufoco a
(outra)
morte,
e vou.

vou agarrar-te a mão
vou olhar os teus olhos
dar-te os meus a olhar.

vou enchê-los de toda a côr
todo o sorriso
toda a força
que agora falta
e fazê-la
renascer
para ti.
em ti.

levar-te a vida
levar-te o mar
levar-te o mundo
que te escapa
como gotas que não doseias.
que já não podes controlar.

levantar-te dessa cama
salvar-te o corpo que não sei
arrancar-te à tristeza
pesada como lama
mostrar-te os lugares que por ti abracei.


quero dançar contigo a dança dos relógios antigos.



por isso hei-de aproximar a cadeira da cama.
e hei-de fazer-te festas
olhar-te a medo
analisar cada marca
cada diferença
- tu para além de mim
para além de tudo
nesse sítio só teu
de fantasmas
medos
e
desmesurada
coragem.


...




a verdade é que tenho muita vergonha
do nada que posso fazer.
de verdade.
de certeza.
qualquer que.

a verdade é que me choca
de maneira cortante
- como se o não soubesse
tão dentro de mim -
este nada que somos
no tudo que fomos,
esta alma sem peso
na vertigem do fim.



























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(imagem: graça morais, da série "as escolhidas" - sépia sobre papel)

quarta-feira, abril 04, 2007

against all odds.

















nevertheless.







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terça-feira, abril 03, 2007

renascimento menino

" Os contos de fadas são mais que verdade -
não porque nos dizem que os dragões existem,
mas porque nos dizem que os dragões podem ser derrotados. "

(G. K. Chesterton)



"el laberinto del fauno"
é cinema puro.

assim mesmo,
com toda a franqueza
crueldade
e beleza
do ser-se puro.



e toda a noite
por sobre a trovoada

perdida
nos céus
e nos dragões
de mim

a mais doce
das vozes
de embalar

a cantar-me
a lembrar-me

a vida
para além do fim.

domingo, abril 01, 2007

june says goodbye to her name



sentou-se à mesa e escreveu.
escreveu, escreveu, escreveu, escreveu.
escreveu até não haver mais palavras para tudo o que contaminava, dentro.
como doença.
essa que.
escreveu tanto que a luz se cansou, também, das sombras, e foi ao choro de vela que dançou as últimas palavras, jurando a si mesma não correr atrás de quem largou
faltou
falhou
ao amor.

abriu a janela
abriu a rua
abriu a ferida
e fingiu morrer.















- amanhã
se houver vida
serei eu a renascer.












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(imagem retirada do filme surviving desire, de hal hartley)