quarta-feira, junho 14, 2006

" querida amiga,

seguro a tua mão desde o início de tudo.
e não deixo, não largo.
mas não to fiz sentir – não me fiz sentido, também, então, mas disso te falarei à frente –, e por isso te peço desculpa. pela ausência física. das palavras que abraçam, porque nada mais posso deste longe de cá.

a verdade é que acontece, nisto de ser emigrante, nisto de estar-se vivo, ir-se, sentir que se vai, ao fundo. sem que às vezes se saiba do quê. sem que às vezes se perceba porquê. e a vontade de emergir é tanta que esperneamos, gritamos, esbracejamos, imploramos ajuda sem nunca o fazer. a cura está em nós, sabêmo-lo já, mas insistimos em esquecer-nos disso. como quem se esquece de nada. que nada. e vai ao fundo.

e é como se fôssemos tão tristes que nada pudéssemos levar a outros senão a nossa fraqueza. mais que tudo o mais, isso empurra-me, a mim, mais, para baixo. e esperneio. grito. esbracejo. como outros. sem os outros. porque sinto, sei, que não é este o meu lugar
dentro
e na vida.

e a cada dia que passa, a decepção de saber que estamos a falhar a quem precisa, a quem queremos tanto bem. a cada momento o sentir que numa qualquer palavra pode ser notada a nossa tristeza, o nosso fundo, que não deve, não pode, ser tocado por quem precisa de força.

e deixamo-nos ir, encurralados pelo que sentimos – o que conseguimos sentir... – , e o que queríamos
tanto
tanto
sentir.
abandonamos qualquer movimento:
agora não me mexo.
se é fundo é fundo, pronto, deixem-me.
agora vou ficar aqui.

mas a vida.

a vida tem esta coisa de querer ajudar-nos, e há anjos muitos (cada vez mais...) à nossa volta...
e, sem mover um músculo, ou pelo menos sem por isso fazer, damos por nós a ir ter à superfície, a boiar, a olhar o céu, ao colo do mar, e a sentir que, pelo menos, não estamos sós. por mais que. e tudo o resto.
não nos mexemos, quase, fracos ainda pelo susto e pela dor, mas somos já capazes de tentar um sorriso. por mais triste. por mais escondido, é um sorriso em paz, já.
connosco mesmos.

e há um dia, de repente, assim mesmo, de repente, mais ainda que o afundar, por uma coisa de nada, um telefonema, uma voz amiga, um jogo de futebol, um dia de calor, um sorriso desconhecido, qualquer nada que nos chega e nos faz voltar a nós, há um dia em que rimos como é nosso rir, e usamos a força que é nossa, que temos de volta, para nadar até à praia e abraçar quem precisa. para, assim, regressarmos a nós.

peço-te desculpa pela falta das palavras, do abraço.
porque sei
sei
que em alturas como tantas, qualquer sorriso, qualquer carinho, qualquer palavra, por mais triste, por mais fraca, é uma força, um pequenino consolo em nós.

peço-te que aceites esta escrita
- despida de tudo,
porque te devo a sinceridade desses momentos -
como um alongado, porque difícil, pedido de desculpas.

e um abraço, já na praia, com a força e o carinho do mar que consola.
"

1 comentário:

Anónimo disse...

"... qualquer sorriso, qualquer carinho, qualquer palavra, por mais triste, por mais fraca, é uma força, um pequenino consolo em nós." Também o saber-nos em pensamento no silêncio da praia, nos inunda o coração.